quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Circo Voador.

"Está na hora de acordar. Está na hora de ser feliz"
Acordo com a mesma história há anos e estou longe de ser feliz. O circo está lotado de gente infeliz. Na verdade, será possível encontrar por aqui alguém que esboce um sorriso? O do palhaço é pintado, os equilibristas esfriaram tanto a mente para aturarem a altura que ninguém mais atura a altura de suas arrogâncias e o nosso diretor só está pensando na verdinha, seja ela o dinheiro ou a erva de cada dia. Há anos o meu trabalho é alegrar os outros, mas a minha alegria está distante e não há previsão de chegada.

Eu costuma ter um avô e eu o chamava de família. Ele sempre foi o mais perto que eu cheguei de qualquer forma de afeto. Sempre que podia ele me levava ao circo para darmos boas risadas. Ele era um deprimido desde que perdera minha avó e minha mãe, mas eu continuava na mesma. Crianças nunca têm uma boa percepção das coisas, a minha noção de tempo sempre foi esquisita. Parecia que elas tinham saído para ir à padaria, todos os dias eu esperava que chegassem, mas não chegavam. Eu continuava normal, já que uma hora elas chegariam.

No meu aniversário de 7 anos eu não ganhei presente. À noite aconteceria o espetáculo do Dr Kite no Circo Voador e eu só queria um trocado para poder assistir. Meu avô estava apertado e todo o dinheiro da aposentadoria ele gastava com a nossa alimentação e com a bebida dele. Meu avô era álcoolatra, mas ainda sim me amava. Deu-me 5 reais para comprar uma pipoca e um abraço que talvez tenha sido o melhor de toda a minha vida. Ele cheirava a pinga, mas seus olhos exalavam amor. Lágrimas surgiram em seus olhos e ele me mandou para fora.

Quando eu cheguei em casa meu avô não estava lá, apenas a minha vizinha irritante com um papel na mão. Ela abriu o papel e disse em voz alta:
"Meu neto, você não merece um avô tão descuidado. Tenho pancreatite e estou em fase terminal. Espero que um dia você entenda o porquê de eu estar te deixando. É o melhor pra você. E se um dia lágrimas cairem dos seus olhos, faça delas o seu mar para navegar. Não pare de chorar nunca, meu querido, um homem sem sentimentos é um homem ferido"

Meu avô foi um grande homem, mas eu nunca entendi a sua última mensagem para mim. Àquela noite eu fugi de casa, aos prantos, e corri para o circo pois era o único lugar pr'onde eu sabia ir. Comecei a cantar as minhas músicas para sobreviver e as canto até hoje na esperança de que um novo amor me encontre.

Não, ninguém sabe como é abraçar uma pessoa pela última vez e não saber. Só eu. Só eu sei o que eu sinto.

Nem tudo na vida acontece com a gente deseja, mas na ficção podemos dar um jeito. Por isso resolvi terminar a minha história com palavras que nunca foram proferidas:
'Adeus vô, descanse em paz'

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