terça-feira, 26 de abril de 2011

Deewa, o profeta. Pt 2 - Adaptação.

Foi por puro instinto que Rodrigo decidiu sair Rio de janeiro afora atrás do seu amigo. O campo aberto onde Felipe – agora conhecido como Deewa - fora encontrado, não era lá tão afastado de todos assim. Afastado, sim, porém não por distância e sim por despercebimento. Após 15 ou 20 minutos de caminhada por uma trilha de lamacenta, perto de uma das rodovias mais importantes da cidade, lá estava um lugar inacreditavelmente... diferente de todo aquele concreto.

O apartamento de Deewa era um ambiente estranho, úmido e apertado habitado por ninguém mais além do próprio. Na sala, sobre a mesa de centro, pairava uma escultura de coruja que se dizia ser o resultado de mais uma de suas fases. Deewa, tomado por um espírito estranho saído de um programa de TV (na época em que ele ainda não achava que a televisão era uma ditadura), entrou para uma doutrina que cultuava as corujas como as imagens de maior sabedoria no mundo, maior mesmo que todas aquelas imagens indianas que transmitem paz, espiritualidade, etc. Ninguém nunca soube o nome desse culto, ninguém soube por que ele deixou de lado, ninguém sabe por que diabos ele resolveu participar daquilo por 30 minutos que fosse.

Quarto > armário > porta trancada > revirada total pelo quarto > chave > terceira gaveta > cuecas > meias > escritos.

Os textos tinham todo o mesmo caráter, mostravam a vontade que Deewa tinha de desapegar-se das coisas materiais que tanto lhe incomodavam. Curiosamente, elas não tinham ordem lógica ou cronológica. Rodrigo, confuso, não sabia por onde começar e encontrava-se mais perdido que qualquer outra pessoa que fosse ler os manuscritos, pois ele, no papel de bom amigo, sabia que Deewa era um cara organizado. No momento, a qualidade de organização não se fazia presente.

Algum lugar perto da Costa Verde, algum dia do mês de maio de 2006.

Escrevo do lugar mais deserto onde já estive. Não sei nem ao menos onde estou e perdi meu relógio-bússola-astrolábio-qualqueroutramerda (paguei 1000 reais nisso) há uns quatro dias, desde então venho sem saber o horário, o dia e a direção pr'onde vou. Continuo, pois sei que isso não é razão pra me perder.

A comida está racionada e isso faz com que eu me sinta bem. Sinto-me livre e assim vou sendo até mais uma vez encontrar o caminho de volta pra casa. Cedo ou tarde ele aparece. Perdido na selva eu me sinto um homem melhor, mesmo sentindo fome e sede.

Não sei de nada. Por aqui não existe certo ou errado, dólar ou euro, capitalismo ou comunismo, não existe forma de compreender o que é esse lugar. É estranho, mas aqui pode ser um mundo onde eu criaria todas as regras. E aqui, acima de tudo, o amor EXISTIRIA, pois cansado estou daqueles que, irritados e perdidos nas próprias frustrações, declaram não serem capazes de se acostumarem a ele.

Tudo é tão simples: paixão > paixão > cegueira parcial > paixão > cegueira completa > desilusão > sofrimento. Ou então, paixão > amor > anos > velhice > morte feliz, com alguém ao lado.

Qual a dificuldade de escolherem de vez algum dos dois? Adaptação é o problema, pois tudo é motivo para o fim: decepções, traições, mentiras, etc.

O meu amor mais importante chegou ao fim por causa de distância, na época disseram-me que não existe amor sem beijos. Pergunto-me todos os dias, desde então, se o canto de um pássaro passar a ser menos bonito se ninguém está por perto para escutá-lo.

Não pisarás em terra deewanica se desprovido de adaptação fores.

2 comentários:

  1. Essa segunda parte me lembrou muito do filme "Na Natureza Selvagem", principalmente na parte: "A comida está racionada e isso faz com que eu me sinta bem. Sinto-me livre e assim vou sendo até mais uma vez encontrar o caminho de volta pra casa." Gostei muito. Parabéns!

    ResponderExcluir
  2. Pergunto-me todos os dias, desde então, se o canto de um pássaro passar a ser menos bonito se ninguém está por perto para escutá-lo. True.

    ResponderExcluir