segunda-feira, 8 de agosto de 2011

II.

Quando o elevador se abriu, ela apareceu, ainda mais linda que seis meses atrás. Ele, bobo que era, mal tinha notado que seis meses são 24 semanas, 168 dias, etc. As horas, nem queria saber quantas, mas na verdade ele não tinha aptidão para fazer tal conta na cabeça numa fração de segundo que fosse. Sessenta vezes Cento e Sessenta e Oito. Quatre Mille trente deux.

Perdido entre números e o francês fraco que pensava dominar, abraçou-a.
- Como foi a vinda até aqui?
- Fácil. Usei um GPS.
- Ei, tá puta?
- Claro.
- Foi alguma coisa que eu (já) fiz?
- Foi. Tanta coisa pra fazermos em tão pouco tempo e você vem logo me perguntar como foi a viagem?

Fim de abraço. Precisavam de contato visual pra variar.
- Tu sabe minha tendência a fazer perguntas idiotas, amor.
- Pior que eu sei. – Ela disse, rindo, pestanejando, linda.

Deram as mãos, entraram pro apartamento fedido a cigarro. Qualquer garota no mundo ficaria puta e diria pra ele dar um jeito naquele cheiro imediatamente ou ela cairia fora. Mas não ela. Ela adorava o cheiro de marlboro misturando com o 212 que ele usava. Tabaco e Eau de Toilette.

Seis meses foram suficientes para ele transformar o apartamento no inferno: livros abertos sobre a mesa, papéis pra todos os cantos, folhas de papel rabiscadas (na verdade, elas tinham apenas rabiscos indecifráveis), cinzas pelo chão (ela achava que ele não conhecia a utilidade de cinzeiros).
- Tá admirando meus papéis riscados né? Gosto de chamá-los de papéis-teste.
- Teste de quê?
- Teste de canetas.
- E aquilo? – Apontou na direção de umas escrituras na parede que com dificuldade enxergou. Era míope e o namorado tinha uma péssima caligrafia, horrenda mesmo. Leu em voz alta: “There is no life without love”?
- Isso. Maneiro, não acha? Escrevi pensando em você e nas coisas que quero ter pra sempre.
- Sei. A frase é um tanto clichê, mas vindo de você, é linda, bebê.

De mãos dadas, sentaram no sofá.
- Cara, seis meses. – Ela estava chupando uma bala de maracujá e a cada palavra ele podia sentir o cheiro. Ele detestava maracujá. Até esse dia.
- Pois é, aquela fase de começo de namoro já passou e eu mal senti.
- É. Começos de namoros são engraçados – Riu.
- Como assim? – Paranóia agindo.
- Ah, o excesso de carinho, as horas de grude, a embolação da língua pra dizer um ‘oi’.
- Saquei. Pô, sabe o que eu curto em início de namoro? As voltas que a gente dá com as palavras e as frases pra não dizer diretamente que a gente ama o outro.
- Eu ainda lembro do meu “Eu meio que te amo pra caralho e acho que isso é um problema” que veio à tona na hora mais aleatória possível.
- É verdade, mas foi bem fofo.
- O primeiro ‘eu te amo’ é o mais difícil, sabe deus por quê.
- Eu acho que lá no fundo todo mundo sente um medo de rejeição. E às vezes de fato estamos com o sexto sentido aguçado: somos mesmo rejeitados.
- Ainda bem que você não me rejeitou
- Acho que foi um ponto positivo na nossa relação.
- Tu parece ter aproveitado bastante o tempo em que fiquei fora, tem tanto papel espalhado pela mesa.
Ele riu:
- Sei lá, eu às vezes simplesmente já acordava com um texto inteiro na cabeça, embora sempre estivessem meio embaralhados, mas daí bastava um cigarrinho e tudo fluía bem melhor.
- E pelo visto tu também não tá controlando o cigarro né? Porra.
- Às vezes tenho vontade de parar de fumar de vez.
- Seria bom pra tua saúde. – Irônica – Tu é uma chaminé, cara. Eu apoio porque não quero meu homem tossindo sangue aos 35.
- Ouvi dizer que a cada cigarro fumado são 5 minutos a menos de vida.
- Tu acredita nisso?
- Sei lá, mas pelo menos já é um grande motivo pra eu parar de fumar.
- Anos de pesquisa que dizem que o cigarro é horrível pra saúde e tu resolve parar de fumar quando lê num desses sites que só tu acessa que cada cigarro tira 5 minutos de vida?
- Pô, cada cigarro é 5 minutos a menos com você. – Ele apagou o cigarro, sabia que ela não o levava a sério.
- Ei, esquecendo essa parada toda, quando tu falou a parada de ser rejeitado... é sinal de que um dia tu vai me rejeitar, sei lá, por enjoar de mim?
- Meus namoros sempre são 30 vezes mais interessantes no começo e depois de duas semanas tudo costuma perder a graça, sabe?
- Sei
- Só que com você é diferente.

Beijaram-se.
Transaram.
Conchinha.
Dormiram.

Ao acordar, ela não estava ao seu lado.
- Amor?
- Oi? – Ela apareceu saindo do banheiro
- Oi.
Ela sorriu
- O que você foi fazer?
- Escovar os dentes
- Passou fio dental?
- Não, eu tenho preguiça, por isso eu nunca passo, pode terminar comigo agora.
- Caramba, eu também não passo.
- Sabe o que isso quer dizer?
- Que fomos feitos um para o outro até quando se trata de higiene bucal?
- Não. Significa que economizaremos uma baita grana.
- A grana arrecadada será usada no tratamento das cáries que nossos filhos terão, senhorita.
- Ei, te amo.
- Também te amo, gatinha.
- Te amo te amo te amo. Sou chicletenta, lide com isso.
- Gruda no meu cabelo então.
- ?
- É sempre mais difícil de tirar.

Ela riu.
Ele riu.
Se amavam.

7 comentários:

  1. gosto muito do seu jeito de escrever e de brincar com palavras, te acho um bacana. (comentário amoroso)

    ResponderExcluir
  2. Quero um fim desse aí pra minha história. Amar sozinha, às vezes, cansa.

    ResponderExcluir
  3. meio clichê, mas tudo bem.

    ResponderExcluir
  4. Como amei esse texto! Tão simples e belo, como o amor.
    Okay, isso foi meio clichê ;)

    ResponderExcluir
  5. Simples e tocante. Amei o jeito que tu deixou claro a simplicidade do amor. Deu vontade de abraçar alguém.

    ResponderExcluir
  6. vc deveria escrever uma história... Sem parar igual a Nowhere Love. Eu era louca por ela, mas você parou... :/ deveria continuar... eu acho. Sou sua fã, de verdade.

    ResponderExcluir