terça-feira, 20 de setembro de 2011

Krefeld.

Sou formado em letras. Nunca produzi nada. Quando formado, trabalhando num emprego miserável numa gráfica, revisando livros, às vezes com erros ortográficos inadmissíveis que, se contestados por mim, ganharia como resposta um "não menospreze uma criatividade singular com a de fulano" do meu chefe. Era essa a minha maior inveja: eu, formado, cheio de perfeccionismos, quase um parnasiano, não possuía a criatividade pra criar nem o enredo de uma história em quadrinhos de quinta.

Aproveitei a minha origem burguesa da qual não me orgulho e viajei muito, eu tinha tempo e dinheiro pra isso. Usei a grana do meu pai, conheci a triste bahia que o Caetano tanto insistiu em gritar, conheci o baião, os sanfoneiros, vi pobreza, vi resiliência, não vi inspiração. Mas, aqui pelo Brasil, nada me instigava, a cultura não me agradava. Sempre fui desses idiotas, nem um pouco etnocentrista. Eu era raso, supérfilo, superficial, não fugia da minha capa-dura seca.

A luz que sempre me faltara só tenha aparecido durante minha densa viagem pelo oeste alemão. Atordoado, de fronte a tv, observava o concurso de misses e como elas eram tão vazias quanto eu. Ao contrário delas, infelizmente, eu era vazio porque optara por ser assim. Nunca fui de dar valor ao que tive.

Vendo a mim mesmo como um eterno dependente da arte de outro, percebi que, sendo a arte um vestígio deixado por alguém como propulsor de um frênesi de criatividade, já perdera tempo demais lamentando. Olhando para a parede em mais umas das reflexões eternas, lotadas de existencialimos, percebi que a pilha do relógio tinha acabado, percebi que o tempo já não era mais tão meu amigo e eu nunca fizera nada para ajudar os outros. Era hora de inspirar qualquer um que fosse.

Eu insistia em carregar pr'onde fosse um livro em alemão que, a essa altura do campeonato, nem me lembro mais o título. Ele precisava ser passado adiante, deixei-o estrategicamente no café que tornara-se o ponto predileto na minha viagem a Krefeld. De propósito. Lotado de anotações com os significados das inúmeras palavras que eu desconhecia até então. Aquele que fora útil para meu aprendizado da língua germânica, seria agora, talvez, essencial para a mudança, quem sabe radical, na vida de um alemão: o aprendizado da língua portuguesa. Fico aqui a pensar: um alemão, desiludido, desacreditado no amor, encontra o livro e, de repente, quase impulsivamente, decide, após rígido autodidatismo para o aprendizado do doce português, viajar para Portugal, ou quem sabe até mesmo o meu Brasil. Aqui, ou lá em Portugal, não importa muito, ele conheceria de verdade o amor.

Espero ter ajudado.

Um comentário:

  1. Muy interesante, para no tener creatividad xD Me a gustado!
    Saludos desde Tenerife.

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